Uma cidade baiana de cerca de 20 mil habitantes tem atraído pessoas de todos os cantos, não apenas pelas suas belezas naturais, mas pelos cafezeiros que lá brotam em condições climáticas favoráveis para darem os melhores frutos que, selecionados e processados com cuidado, tornam-se cafés especiais.
Piatã faz parte da região do Planalto, dividida em três microrregiões: Chapada Diamantina, Vitória da Conquista e Brejões. Por lá, a produção do café apresentou números superiores aos de outras regiões baianas na primeira estimativa para a safra brasileira de café em 2024, publicada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) em janeiro.
Na região, houve um aumento na área de produção de 5,1% em relação à safra anterior, saindo de 49,8 mil para 52,3 mil hectares. O número de sacas produzidas também subiu. Em 2023, foram 902 mil, enquanto na safra deste ano foram 996 mil, um crescimento de 10,3%.
As raras xícaras de café que a sergipana Ursula Freitas levava à boca eram sempre açucaradas e apenas para socializar com colegas de trabalho. Mas uma ida ao Vale do Capão em 2017, e um desvio de rota para Piatã, a fez construir uma relação que a tornou uma especialista no assunto.
Um dos seus amigos de viagem, dono de uma cafeteria em Aracaju, decidiu ir a Piatã para adquirir café de um casal de pequenos produtores. Ursula o acompanhou e no primeiro gole do café especial oferecido pelos anfitriões, sentiu que o aroma, sabor e história da produção da então subestimada bebida foram capazes de despertar uma imediata conexão. Anos depois, tornou-se barista.
“Eu sou formada em gastronomia e trabalhava na área de alimentação, mas depois dessa viagem, decidi que queria estudar café e focar nisso. No mesmo ano, me mudei para São Paulo para estudar café”, conta Ursula, que voltou a Piatã em dois outros momentos para temporadas de aperfeiçoamento no assunto.
Todas as vezes que toma o café produzido em Piatã suas memórias e percepção sensorial são ativadas. “Tem uma parte afetuosa que me emociona porque conheci muitos produtores, cada café e história me encantava. Falando tecnicamente, os produtores estão se desenvolvendo muito em complexidade, aprendendo a lidar com o solo à medida que passam as colheitas, assim como o cuidado que eles têm com o processo de irrigação”, comenta.
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A barista e degustadora Helga Andrade já conhecia os excelentes grãos piataenses quando decidiu visitar a cidade em 2015 — naquele ano, os produtores baianos já gozavam de certa notoriedade no setor de cafés especiais. A mineira aproveitou que estava participando de um evento sobre cafés em Salvador para ir a Piatã, distante cerca de 570 km da capital baiana.
“Para a gente que está fora da Bahia, a região de Piatã é considerada o centro dos melhores cafés do estado. São produtores de perfis muito específicos, que produzem cafés de qualidade excepcional, reconhecidos por qualquer especialista. Não apenas pela qualidade, mas por uma personalidade única”, comenta a barista.
As características dos grãos cultivados em Piatã contribuem para que o café produzido na cidade seja considerado complexo, mas extremamente delicado, com doçura que lembra o mel, rapadura ou açúcar mascavo, além de apresentar aromas e sabores de frutas e flores elegantes e equilibrados, como descreve a barista.
Lucas Campos, mestre em torra e consultor de marcas de café, ganhou um curso de barista da esposa ainda quando morava em Salvador, época em que levava uma vida de muito trabalho. Mudou-se para Piatã em 2013, não pelo café lá produzido, mas para ter melhor qualidade de vida. Ao chegar, se surpreendeu com a produção dos grãos. “Não é comum achar tanta gente por metro quadrado fazendo café de qualidade”, comenta.
Reconhecendo o potencial da cidade na área da cafeicultura, Lucas e seu amigo, Felipe Toé, passaram a oferecer aos visitantes, os chamados coffe lovers, turismo de experiência. A imersão era feita nas fazendas da região e os turistas aprendiam desde o cultivo dos grãos até o café chegar à xícara. O negócio durou cerca de seis anos, mas chegou ao fim porque os amigos já não disponibilizam de tempo para atender a demanda. “Deu tão certo que acabou”, brinca o mestre em torra.
A altitude, o microclima, com dias quentes e noites congelantes, e as estações bem definidas contam para a qualidade do café produzido na cidade, mas essas características climáticas não são determinantes para o resultado. É preciso esforço dos mais de 200 produtores.
A melhoria na qualidade dos cafés especiais é alcançada, por exemplo, por meio de métodos alternativos de secagem, como o uso de terreiros suspensos, onde a secagem é mais gradual, além da seleção manual dos melhores grãos da lavoura.
“Temos em Piatã um microclima, com um solo para cima ótimo. A cidade é um grande vale, lá tem uma manutenção térmica que gera temperaturas baixas durante a noite e altas durante o dia. Sol forte durante o dia e friozinho gostoso à noite deixa o café forte. Não é só isso, uma planta por si só não é capaz de gerar um ótimo fruto. O que Piatã tem de diferencial é que os produtores entenderam há mais de 20 anos o que é fazer um café de qualidade”, completa Lucas.
Os esforços dos cafeicultores da cidade foram reconhecidos no Cup of Excellence de 2022, evento considerado o Oscar dos cafés especiais. Dos 10 primeiros colocados, seis eram de Piatã. Naquele ano, o café especial produzido na fazenda Tijuco, propriedade de Antônio Rigno de Oliveira Filho, levou o primeiro lugar.
Numa escala de 0 a 100 de pontuação, a produção dele venceu como 91,41 pontos. O segundo melhor café foi o produzido no Sítio Bonilha, também em Piatã, pertencente a Maridalton Silva Santana. Rigno foi o único produtor brasileiro a ser treta campeão do evento.
Fonte: Alô Alô Bahia