Culturas energéticas são aplicadas em codigestão com resíduos da produção animal
Por Carolina Mainardes — Toledo (PR)*
O produtor rural José Carlos Köhler, de Toledo (PR), está otimista com os resultados do projeto da Embrapa que propõe uma nova alternativa para a produção eficiente de biogás. Köhler investiu em um biodigestor na sua propriedade, em funcionamento desde 2019, e abriu as porteiras da fazenda como parceiro da pesquisa, que prevê o uso de culturas energéticas como sorgo e capim elefante em codigestão com resíduos da produção animal para a geração de biogás.
Com uma área de lavoura que varia entre 40 a 45 hectares, onde cultiva soja e milho, ele destinou 1 hectare para cada uma das culturas energéticas para o projeto piloto. O sorgo foi plantado em 7 de novembro de 2023 e o capim elefante no dia 15 do mesmo mês. Em abril, durante o Inovameat Toledo – evento voltado à inovação na produção de proteína animal -, os primeiros resultados da experiência foram apresentados em um dia de campo coordenado pela Embrapa.
“Nossa planta de biogás foi projetada para introdução de sólidos, de culturas energéticas, assim como para a utilização de resíduos de empresas”, conta Köhler, em entrevista à Globo Rural. Até então, ele utilizava no biodigestor dejetos de suínos, bovinos e aves de postura, adquiridos de produtores vizinhos.
Ele conheceu propriedades rurais na Europa com plantas de biogás e biometano, com a inserção de culturas energéticas, e já tinha a ideia de implantar um projeto semelhante por aqui. Além de mais economia na propriedade, o agricultor busca aumento dos lucros.
“Já estou planejando ampliar para a produção de biometano, pensando na rentabilidade maior em relação à soja e milho”, avalia. Em favor das culturas energéticas, o produtor lista a produção de duas a três vezes por ano, com uma taxa de biomassa bastante alta das duas espécies testadas.
O tamanho da área a ser destinada para o cultivo de sorgo e do capim elefante ainda está em estudo, assim como a demanda pelo biogás e biometano e a possibilidade de parcerias para a comercialização dos produtos. Uma das opções é o abastecimento da frota de veículos da empresa de biodigestores dos irmãos do produtor: “vejo a possibilidade com bons olhos, tendo em vista o potencial de gerar bons resultados”.
Além da economia, com a produção de energia para uso na propriedade, ele considera a venda do biometano para combustível uma opção viável devido à demanda dessa indústria.
Atualmente, a produção da planta de biogás da propriedade é de 1.000 m³/dia, o que resulta na geração de 1.500 quilowatts/dia. A expectativa, segundo Köhler, é aumentar bastante o volume gerado já com os resultados do projeto piloto com uso das culturas energéticas. A introdução da biomassa fornecida pelas plantas deve levar em torno de 60 dias e só depois disso os resultados concretos serão conhecidos.
Resultados promissores
“Os resultados que levantamos até agora são realmente promissores e mostram a importância dessa estratégia, de codigestão de resíduos da produção animal com biomassa vegetal, para termos o que chamamos de segurança na geração de biogás”, ressalta Airton Kunz, pesquisador da Embrapa Suínos e Aves e coordenador da pesquisa realizada na propriedade de Köhler.
Airton explica que o acréscimo das culturas produzidas no campo na formação do substrato para a geração de biogás facilita a lógica do negócio focado no produto – tanto para geração de energia elétrica quanto para um arranjo de biometano – e para venda de biomassa. Os pesquisadores estão estudando os arranjos possíveis para se chegar a indicadores de produtividade por hectare.
O projeto é dividido em dois blocos: o do sistema produtivo das culturas energéticas e o da codigestão. “Os materiais saem do campo e vão para uma planta de biogás, mas não teremos um modelo único. Estamos estudando arranjos produtivos considerando as diferentes realidades regionais”, explica o pesquisador. Nesse aspecto, são analisadas condições climáticas e custo do uso da terra, por exemplo.
“O Brasil é um continente, com muita variabilidade climática e de solos entre as regiões. Produzir no Nordeste apresenta condições muito diferentes de produzir no Sul e estamos trabalhando para fazer esses ajustes”, completa.
Airton define a pesquisa desenvolvida em Toledo como inovadora nesse sentido, uma vez que é dirigida a uma condição tropical, com cultivares que passaram por melhoramento genético visando maior produtividade para a proposta de geração de energia.
Com base na visão de realidades múltiplas do país, o projeto reúne quatro unidades da Embrapa localizadas em regiões diferentes do Brasil. São elas a Embrapa Suínos e Aves, de Santa Catarina, Embrapa Gado de Leite e Embrapa Milho e Sorgo, de Minas Gerais, e a Embrapa Tabuleiros Costeiros, de Sergipe. Também é parceira do projeto a empresa Biokhöler Biodigestores, com sede em Marechal Cândido Rondon, a 40 km de Toledo.
De acordo com o coordenador, a escolha pela fazenda no Paraná para o desenvolvimento do projeto deve-se a fatores como as atividades agrícolas já desenvolvidas na propriedade, o biodigestor instalado e um produtor comprometido.
Capim elefante
O pesquisador Juarez Campolina, da Embrapa Gado de Leite, reforça que o arranjo produtivo desenvolvido no projeto tem como principal vantagem a complementação das culturas energéticas. “É como um seguro para o produtor que quer produzir biogás. Ele tem os resíduos e precisa de uma poupança de biomassa energética para complementar. É aí que entram o capim elefante e outras culturas energéticas”, analisa.
Juarez coordenou a parte da pesquisa referente ao capim elefante na propriedade de Köhler. Ele explica que foi utilizada a cultivar BRS Capiaçu, que é uma espécie de alto rendimento para produção de silagem de baixo custo. “Por isso, entra no sistema de geração de biogás como uma complementação muito importante, para que o produtor tenha essa segurança de uma produção constante”, afirma.
O pesquisador explica que, de maneira geral, dejetos da suinocultura, da bovinocultura e outros resíduos, não são tão produtivos para a geração de biogás por si só. Por isso, dependem de uma complementação para a geração de biomassa.
No caso do capim elefante, os primeiros resultados da pesquisa são apontados como fantásticos. “Foi uma produtividade altíssima, chegamos, no primeiro corte, a 120 toneladas de biomassa por hectare, com bom desenvolvimento da planta e alto perfilhamento. Além disso, é uma cultura de baixo custo de produção”, reforça o pesquisador.
Essa é a primeira vez que a espécie é testada em um sistema produtivo para geração de biogás e biometano. A cultivar foi desenvolvida inicialmente para produção de silagem destinada a animais em sistemas de produção de leite e carne bovina, finalidade para a qual já foi aplicada em todo o Brasil.
Juarez revela que novas opções de cultivares serão testadas, incluindo espécies desenvolvidas especificamente para a produção de biogás, ainda mais produtivas do que a BRS Capiaçu, tendo em vista a demanda crescente para fontes de geração de biogás.
Sorgo
O mesmo já ocorre com o sorgo. O pesquisador Rafael Parrella, da Embrapa Milho e Sorgo, explica que foi desenvolvida uma linha de novos tipos de sorgo de alta produção de biomassa, por meio de um programa de melhoramento da Embrapa. “As cultivares chegam a um aporte de mais de cinco metros de altura, com potencial de produzir forragem, biomassa de qualidade para múltiplos usos”, comenta. Além de maior produtividade, elas também possuem facilidade de adaptação, o que resulta em mais eficiência para a produção de biogás.
Na propriedade da pesquisa, em Toledo, foram plantados dois híbridos: o sorgo biomassa BRS 716, que já é encontrado em escala comercial, e uma cultivar que ainda está em fase de teste. Segundo Rafael, os primeiros resultados são promissores, com valores de rendimento maiores do que as principais matérias-primas que estão sendo utilizadas no momento. “Isso mostra que é uma boa oportunidade para a cultura”, avalia.
Mais sobre Sorgo
O pesquisador aponta que os materiais utilizados no projeto apresentam uma produtividade média de 80 a 90 toneladas de biomassa verde por hectare. Ele enfatiza que, em um paralelo com algumas culturas, esse volume representa uma produtividade semelhante ou próxima da cana-de-açúcar.
“O sorgo é um material de alto rendimento com ciclo curto. Enquanto o ciclo da cana é de 12 meses, no mínimo, o ciclo do sorgo é de cinco ou seis meses, com produtividade praticamente igual. Além do menor custo comparado ao milho e a outras culturas, ele também tem esse alto rendimento e adaptação às altas temperaturas, à agricultura brasileira”, lista.
O BRS 716 foi desenvolvido para cogeração de energia por meio da queima de biomassa e apresenta alta produtividade de matéria fresca por hectare. Tem ciclo de cerca de seis meses e porte alto. Possui boa sanidade, resistência ao acamamento e adaptação ampla a diferentes regiões do Brasil.
O híbrido em teste chega com nova genética. “A proposta é dar um incremento, testar essa nova espécie quanto à adaptação, estabilidade, produção”, diz o pesquisador. No que tange à adaptação, são analisados resultados referentes a questões climáticas e às pragas e doenças que ocorrem nas regiões produtivas. “É importante esse trabalho de melhoramento associado para poder trazer maior rendimento e eficiência para os processos”, resume.
Rafael observa que, no geral, a cultura oferece inúmeras vantagens: “o sorgo reúne características muito importantes para o cenário da agricultura brasileira. Ele é uma cultura de ciclo curto, que pode ser completamente mecanizada – utilizando a mesma semeadora que planta soja e milho -, desde o plantio até o manejo e a colheita. Por isso, reúne características que trazem facilidade para o produtor”. Ele acrescenta que a espécie é uma gramínea de alto rendimento, originária da África e, por isso, bem adaptada ao calor e a altas temperaturas, com mecanismos de tolerância à seca.
Essa qualidade do sorgo pode ser comprovada também durante a pesquisa em Toledo, uma vez que foi registrado no período de realização do projeto um veranico forte na região, com impacto na produtividade das lavouras de milho – lembra o pesquisador.
Ele afirma que a planta, inclusive, pode ser uma nova alternativa em relação ao clima, uma vez que tolera os déficits hídricos durante o cultivo e é viável economicamente – com custo de produção menor se comparado a algumas culturas como o milho. O plus, nesse caso, é o fato da cultura ter múltiplos usos, incluindo a produção de um bom volume de biomassa.
“Nesse cenário de aquecimento global, de altas temperaturas, o sorgo pode se tornar uma nova realidade. No caso do biogás, garantindo maior rendimento e maior eficiência na produção. É um novo mercado que está se abrindo e desenvolvendo toda a cadeia produtiva, acredito que irá ganhar espaço rápido”, conclui.
*A jornalista viajou a convite do Inovameat Toledo
Fonte: Globo Rural