Na boca da safra, a agricultura é um dos poucos setores que têm o que comemorar em meio à recessão. Puxada pela dobradinha soja e milho, a receita da produção de grãos que começa a ser colhida no Centro-Sul deve passar de R$ 200 bilhões este ano. É uma cifra recorde, assim como o volume de produção, e com ganhos acima da inflação.
Esse resultado funciona como uma injeção de ânimo na economia do interior do País e traz alívio para os preços dos alimentos, que foram os vilões do custo de vida no ano passado. A agropecuária, segundo os dados mais recentes do IBGE, representou mais da metade da atividade econômica em 1.135 municípios do País em 2014.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) estima colheita de 215 milhões de toneladas de grãos e renda de R$ 237,7 bilhões. O economista da CNA Renato Conchon diz que a receita deste ano avança quase 14% em relação à de 2016, descontada a inflação. Já o economista Fabio Silveira, sócio da consultoria MacroSector, prevê safra um pouco menor, de 211,4 milhões de toneladas, admitindo riscos de perdas. Ele estima receita de R$ 226,1 bilhões, com crescimento real de quase 16%.
Diferenças à parte, o dinheiro que começa a circular nas cidades do interior já está irrigando o comércio local. A rede de lojas Havan, por exemplo, especializada em vestuário, tem 25 lojas no Paraná. Destas, 13 estão em cidades do agronegócio e tiveram aumento de vendas de 20% em janeiro em relação ao mesmo mês de 2016. Nas demais o avanço foi de 10%.
El Niño. O resultado favorável da renda do campo deste ano reverte a frustração que houve em 2016, quando a produção recuou por causa das perdas climáticas provocadas pelo El Niño. “2016 é um ano para ser esquecido”, diz Leandro Cezar Teixeira, gerente da Cocamar Cooperativa Agroindustrial, de Maringá, no Noroeste do Paraná. A região, dominada pela soja, teve perdas de 30% em 2016, mas se recuperou este ano. Apesar da menor cotação da saca de soja neste ano – R$ 68 ante R$ 72,50 em 2016 – Teixeira conta que os produtores estão animados e um grande número deles não vendeu a safra antecipadamente. É um sinal de baixo endividamento do produtor e de que o preço é favorável.
Outro sinal positivo aparece nas compras de insumos para a safrinha de milho plantada logo após a colheita da soja. Na Cocamar, a venda de sementes, adubos e defensivos cresceu 25% este ano. Números da indústria de fertilizantes mostram que as entregas avançaram 11,4% de janeiro a novembro de 2016 ante 2015, revertendo a queda de 6,2% no período anterior.
O ânimo dos produtores aparece também nas vendas de máquinas agrícolas. Em dezembro, quando iniciam os preparativos da colheita, houve crescimento de 84% nos negócios em relação ao mesmo mês de 2015.
Na Iguaçu Máquinas Agrícolas, por exemplo, com sete lojas em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o volume de vendas cresceu entre 10% e 15% a partir de novembro até agora, conta o gerente-geral de Rondonópolis (MT), Mario Guilherme Lange. “Esta é uma região de puro agronegócio e não sentimos a crise.” Neste ano apareceram agricultores interessados em comprar equipamentos para pronta entrega, o que não é usual. Ele notou uma procura maior por colheitadeiras de grande porte, com mais eletrônica embarcada. “São as ‘Ferraris’ do campo, que chegam a custar R$ 1,5 milhão.” Juro baixo, produtor capitalizado e clima favorável animaram os agricultores, afirma.
“O clima foi fundamental”, diz o vice-presidente da Associação dos Produtores de Milho e Soja do Mato Grosso, Elso Pozzobon. A produtividade das cidades do Norte do Estado, onde 30% da safra de soja foram colhidas, está surpreendendo. Em Sorriso, a média é de 58 sacas por hectare, ante 47 em 2016.
Pozzobon diz que a agricultura “vai ajudar a economia a sair da letargia”. Para Silveira, o agronegócio evita outro ano recessivo no País. Porém, pelo fato de ter cadeias curtas de produção e empregar pouco, o setor não pode trazer de volta o crescimento: “Essa função ainda é da indústria.”
Melhores ganhos tanto para o produtor quanto para o
meio ambiente. Esse é o Projeto ABC Cerrado, que leva capacitações e
Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) para o médio produtor rural em
quatro tecnologias de baixo carbono. O ABC é desenvolvido pelo Serviço
Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) em parceria com a Embrapa,
Ministério da Agricultura e recursos do Banco Mundial em oito estados do
Bioma Cerrado. O produtor que participa do projeto tem benefícios
sociais, ambientais e econômicos, que vão desde o aumento da fertilidade
do solo até o aumento da produtividade. A iniciativa está em uma nova
fase, com inscrições abertas para mais de 4 mil vagas em capacitações e
400 em Assistência Técnica e Gerencial.
Gestores e superintendentes do SENAR dos estados que
participam do ABC foram a Brasília para uma missão do Banco Mundial que
tratou do novo momento do projeto e dos próximos passos até a conclusão
em 2019. Alguns contaram como está o andamento no seu estado, como é o
caso do Tocantins, onde os técnicos de campo da ATeG participaram do
processo de mobilização e isso fez a diferença, aumentando a
participação de produtores interessados nas tecnologias, explica a
superintendente do SENAR-TO, Rayley Campos Luzza.
Rayley Luzza, superintendente do SENAR-TO.
“Conseguimos sensibilizar o público do ABC, que é um produtor diferenciado e que já tem um certo know-how no
agronegócio. Estamos muito felizes que alcançamos nosso objetivo e
inscrevemos mais de 1300 produtores nas capacitações e 90% desses já
receberam Assistência Técnica”, comemora. Sobre a nova fase, Rayley se
diz confiante, devido, principalmente, ao aprendizado na fase inicial do
projeto. “Tivemos um período bom para nos adequar ao projeto e nossa
expectativa não podia ser melhor. Estamos nos preparando e vamos fazer
todos os procedimentos da fase 2 para garantir que ela aconteça da forma
mais proveitosa possível.”
Antônio Carlos de Souza, superintendente do SENAR-GO.
Outro estado que teve um alto índice de participação foi Goiás, com adesão de produtores nas quatro tecnologias ofertadas pelo ABC Cerrado. “Todas as tecnologias são demandadas pelos produtores em todos os 246 municípios. Já estamos na fase de ofertar a Assistência Técnica e os produtores começaram de fato a ter um acompanhamento mais de próximo dos técnicos de campo e a absorverem naturalmente a tecnologia escolhida", conta o superintendente Antônio Carlos de Souza Lima Neto. “Estamos motivados com o projeto e empenhados em continuar ampliando as ações no estado. Não temos dúvidas que no contexto geral, o projeto atende as expectativas dos produtores goianos,” revela.
Em Minas Gerais, 40 turmas já foram realizadas, com a capacitação de 600 produtores, a maior parte na tecnologia de Recuperação de Pastagens Degradadas, afirma o gestor do projeto no estado, Luiz Ronilson Araújo Paiva. “Essa é a tecnologia mais procurada porque o estado tem hoje uma grande área com pastagens degradadas, mas há interesse também no Sistema Plantio Direto nas regiões do Triângulo e Alto Paranaíba.” Segundo Paiva, o ABC Cerrado é uma iniciativa que já estabeleceu um legado, não só em Minas, mas nos demais estados atendidos. “Com o projeto, o produtor passa a ter consciência sobre o uso daquela tecnologia, seus benefícios e o fato dela propor a baixa emissão de carbono. Com isso, ele entende que ao adotar uma tecnologia de forma racional, seja Recuperação de Pastagens ou Sistema Plantio Direto, por exemplo, ele terá ganhos tanto em produtividade quanto em redução dos impactos ambientais”, destaca.
Luiz Ronilson Paiva, gestor do ABC Cerrado no SENAR Minas.
Na Bahia, o projeto é desenvolvido na região oeste
do estado e já capacitou mais de 300 produtores. “Fizemos um
levantamento entre os produtores para saber as reais necessidades deles e
descobrimos que o problema maior lá é com as pastagens degradadas. A
partir daí iniciamos o trabalho de capacitação. Depois da capacitação o
produtor começa a mudar sua forma de agir e pensar, porque em sala de
aula, além da tecnologia, também damos o enfoque da sustentabilidade. A
partir daí, o produtor entende que aquela terra vai ficar melhor e que
os filhos e netos dele também poderão tirar renda dali,” explica Gabriel
de Menezes, gestor do projeto no SENAR Bahia. “Nossa previsão é
aumentar o número de produtores atendidos em 2017 realizando turmas ao
A colheita da safra brasileira de soja 2016/2017 atingiu até a quinta-feira (27/1) da semana passada 4,3% da área cultiva, segundo a consultoria AgRural. O levantamento mostra que o avanço dos trabalhos está em linha com os 4,2% do ano passado e ligeiramente acima dos 3,1% da média de cinco anos.
Segundo a AgRural, a colheita em Mato Grosso segue na liderança, com 12,4% da área colhida. Fernando Muraro, sócio-diretor da consultoria, comenta que “embora as chuvas venham dificultando os trabalhos desde a semana passada (em Sorriso, por exemplo, choveu mais de 180 mm desde o dia 16), os produtores têm conseguido colher nos intervalos das chuvas”.
Muraro observa que vários lotes de soja têm saído das lavouras com umidade alta, mas ainda não há reportes de perdas significativas de qualidade dos grãos. Ele calcula que por conta das chuvas a colheita em Mato Grosso não deve atingir 7 milhões de toneladas no final de janeiro, como previa a AgRural em dezembro. “Mesmo assim, o volume de soja colhido no mês será recorde”, diz ele.
A consultoria chama a atenção para o Paraná, onde até agora apenas 1% da área foi colhido, ante 9,2% de um ano atrás. “Conforme antecipamos na semana passada, poucas lavouras estão prontas, porque as temperaturas abaixo do normal durante a primavera alongaram o ciclo das plantas. A expectativa, porém, é de grande safra”, diz Muraro.
A AgRural relata que a colheita da soja começou também em Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Rondônia, Pará, Maranhão e Bahia. “Apesar de perdas pontuais de potencial produtivo por falta de chuva, especialmente em áreas de Goiás, a expectativa geral segue sendo de boa safra”, afirma o consultor.
Ele observa que na Bahia, onde as lavouras sofreram com a falta de chuva em dezembro e início de janeiro, as primeiras áreas têm rendido entre 20 sacas a 55 sacas por hectare. “Apesar da redução do potencial produtivo, as chuvas das últimas três semanas levaram alívio aos produtores, pois têm ajudado as lavouras a se recuperar. Em 9 de janeiro, a AgRural estimou a produção brasileira de soja em 103,1 milhões de toneladas. A estimativa será revisada em 3 de fevereiro.
Milho
Em relação ao plantio do milho safrinha, a AgRural estima que até ontem 5,6% da área estava semeada no Centro-Sul do Brasil, pouca acima dos 5,1% do ano passado e dos 5,4% da média de cinco anos. “Apesar das chuvas, o bom ritmo da colheita de soja mantém Mato Grosso na liderança, com 11,1% da área já semeada, ante 4,1% um ano atrás.
No Paraná, por conta da safra de soja mais lenta, apenas 3% da área está plantada, contra 13% há um ano. Também já há plantio em Mato Grosso do Sul (2,5%) e Goiás (1,5%). A AgRural estima aumento de 4,3% na área plantada com milho segunda safra no Centro-Sul do Brasil.
Segundo a consultoria, a colheita do milho de verão está atrasada. O levantamento mostra que 3,4% da área do Centro-Sul estava colhida até quinta-feira (26), atrás dos 11,1% do ano passado. Muraro explica que “o atraso em todo o Sul do país, com destaque para o Rio Grande do Sul, deve-se à lentidão do plantio, que foi prejudicado por excesso de chuva em outubro. Mas a expectativa é de boas produtividades.
Em Minas Gerais, São Paulo e Goiás, que plantam mais tarde, as lavouras se desenvolvem bem”, diz a AgRural, que estima a produção brasileira de milho em 88,6 milhões de toneladas, na soma das duas safras. A estimativa será revisada no início de fevereiro.